24 maio, 2009

A Escola e a Informação

Como forma de avaliação, o mestre exigia que seu discípulo lhe trouxesse uma flor num prazo estipulado. Essa era encontrada somente após longos dias de caminhada, em que o garoto precisava procurar e procurar. Desdobrando-se para cumprir a expectativa e ser considerado um bom aluno, ao lhe entregar o pedido na data prevista, percebia seu professor expressar prazer por vê-lo tão cansado e, depois, disfarçadamente, desprezar a flor solicitada.
Na virada dos tempos, um forte vento espalhou as sementes das flores pelos quatro cantos. Um punhado caiu no jardim do menino. E a cada avaliação, ele apenas estendia os braços e alcançava uma flor pela janela de seu quarto. O professor desequilibrou-se. Dizia que não. Tentava explicar que, agora o garoto não podia simplesmente entregar a flor. Conforme antigas/modernas teorias, devia cheirá-la, contar-lhe o que sentira e relacionar essa sensação subjetiva com a de outros.
No entanto, nem o aluno, tampouco o professor sabiam dar sentido à flor.
Inicio esse artigo com um conto que criei com a intenção de metaforizar uma das tensões da educação – sua relação com a informação. Engana-se aquele que acredita ser essa uma angústia nossa e atual. A história revela os desequilíbrios das instituições ao perceberem-se perdendo espaço e poder por razão de revoluções que romperam com os cativeiros da informação. Na escassez de informação, quem tinha uma página era rei. A partir dessa situação, dentre outras, é que a igreja, como a escola, fortaleceu-se como império absoluto.
O educar era concebido como conduzir ou, sendo mais sincero, exigir que as crianças se esforçassem para ter aquilo que era considerado raro: a informação. Aluno bom era aquele que sofria até obtê-la. Esse merecia as honras da casa.
Tal modelo escolar e intenção educativa se perpetuaram, chegando até meus dias de aluno. Permita-me lembrar, com misto de revolta, humor e nostalgia, a dificuldade que era elaborar uma pesquisa escolar nos anos 80. Nem quero considerar a experiência dos meus amigos das décadas de 60 e 70!
Recordo que os alunos dedicados – ou cdfs, conforme as gírias da época – desesperavam-se diante da proposta. As angustiantes falas inundavam a sala de aula: “Onde vou encontrar isso, professor? Não vai dar tempo!”. Já os mais revoltados gritavam que não iam fazer nada. Mas, acabavam conseguindo entrar num grupo e tirar a nota.
Depois do término, a entrega era teatral. Pilhas de almaço sobre a mesa do professor, alunos suspirando de alívio. Se fosse em forma de cartaz, muita purpurina na cartolina e papel celofane. Esse capricho deveria ser mais notável nas pesadas maquetes de isopor que, depois da feira de ciências, eram tacadas fora. Na verdade, tudo era descartado. Muitas vezes, na mesma aula da entrega, para revolta das crianças mais críticas, o professor ou professora mudava o conteúdo a ser trabalhado. Feito o trabalho, podia-se virar a página do livro com o sentimento de tarefa cumprida e iniciar outro tema. Depois, exigir mais alguns trabalhos, mudar novamente o conteúdo, repetidas e repetidas vezes, até o término do ano letivo.
Por mais tristeza que essas propostas nos causaram, podemos encontrar aspectos “positivos” nessas experiências. Não aprendíamos tanto, mas nossas habilidades de comunicação, locomoção e visão eram fortalecidas. Afinal, muitas famílias não tinham enciclopédia e livros em casa, por isso o aluno precisava aprender a “gritar por socorro” e buscar com quem conhecesse o material da pesquisa. A criança tinha que “correr atrás”, até encontrar a informação. O aluno, se tímido, aprendia “na marra” a falar com os outros.
Esse desafio de encontrar o material envolvia também as muitas viagens para pegá-lo. Por fim, aliviado, com o material nas mãos, o aluno olhava com atenção o sumário e as páginas, buscando o título do trabalho que, na maioria das vezes, repetia exatamente os enunciados dos capítulos das apostilas didáticas. E copiava o que havia sido solicitado.
Fico imaginando a algazarra que faria se pudesse voltar à minha antiga escola carregando meu laptop conectado à internet. Tiraria as melhores notas. Naqueles moldes, poderia, com menos de nove anos, até me aventurar em expor alguns conteúdos!
De fato, os ventos modernos chacoalharam as antigas bases escolares. A velha escola tem sido questionada. Hoje, já não mais cabem metodologias para o encontro das informações. Na verdade, esse nunca fora o objetivo escolar. Sempre soubemos (ou não?) que era ineficaz a informação pela informação. Mas o que satisfazia e legitimava as ações era entender como educativo o ato da criança encontrar aquilo que o planejamento já previa. E o verbo – encontrar – é usado com propriedade, pois, de fato, o mérito era totalmente para aquele que, percorrendo exatamente o caminho previsto pelo professor, encontrasse o que também era previsto. Nada de surpresas, novos resultados, inovações. A questão era ordinária: encontrar a flor.
Diante de salas compostas por alunos da geração digital, sobra espaço para didáticas alternativas, reflexão e práticas de novas formas de aprender e ensinar. Se pautarmos as aulas na apresentação e solicitação de informações, é somente isso que os alunos nos trarão. E com toda facilidade que a realidade atual lhes permite. Relembrando o conto, apenas copiarão pelas múltiplas janelas virtuais que estão a sua disposição.

Robson de Oliveira é teólogo, pedagogo e Orientador Educacional do Colégio Interativa em Londrina-PR. Contato: robson@interativalondrina.com.br

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